sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Olhe em volta e me diga o que vê

"Good friends and conversation
The rise and fall of nations
A moment's glory and they've had their day

And on my high school folder
I drew a big gorilla
something familiar, something far, far away

Somewhere between the darkness and light
she touches my hand
she don't seem to mind
We can go home, we can be civilized"
David Byrne - Grown Backwards - Civilization

A humanidade perdeu-se de vista. Mais que isso, perdeu de vista a vida. Nossa percepção de todas as coisas foi duramente corrompida pois colocamos entre nós uma ilusão que tornou-se maior que todo o resto. Uma ilusão que começa a se instaurar em nós assim que nascemos e que atordoa, bombardeia e eventualmete toma toda a nossa consciência. Ela está por todos os lados. Ela é tudo que acreditamos ser verdade. Ela é aquilo pelo que morreríamos, aquilo que achamos que somos. Essa ilusão tem nome, meus amigos: chama-se civilização.

Nossa triste história é a história de uma exaltação cada vez maior da civilização. Quando ela finalmente conquistou o posto de protagonista da evolução humana não havia ninguém para apontar-lhe o dedo; estavamos todos civilizados. Alguns tentaram, mas que se pode fazer contra o maior ídolo de todos?

A civilização não precisa de grandes homens e mulheres. Precisa de cidadãos. Ao trocarmos nossa evolução pela dela, desistimos de uma evolução de valores e de consciência em nome de uma stasis. A evolução, agora, é de produção e estabilidade. Aponta para a utopia estática, um inumano estilo de vida em que o indivíduo se apaga para que a civilização se exalte e funcione.

Gosto das pessoas. Tenho fé em sua vontade de existir. Mas sempre ouço-as dizendo: "o ser humano é naturalmente mau" e "todos são egoístas, ninguém é confiável". Isso por que tomam a ilusão da civilização por verdade. Acreditam que nosso mau é maior que nós mesmos. A desconfiança é essencial para o grande embuste que pregamos em nós mesmos. Confiamos na civilização, ergue-mo-na acima de nós como o Bem, e como não somos capazes de nos anularmos e sermos civilizados, não confiamos uns nos outros. E assim, sozinhos e assustados, assistimos ao espetáculo. Como bons cidadãos.

Não, não posso crer em nada disso. Na língua em que sonho, não existe a palavra "civilização".

3 comentários:

Marcely Costa disse...

Os cachorros foram "civilizados" e agora ficam entre pedaços crocantes de comida sem gosto, resto e lixo. Descobriram, sei lá como, que seus antepassados, não civilizados, tem um qi mais elevado. Acho que a civilização realmente é um projeto que não deu muito certo, isso é óbvio, mas de alguma forma eu sentiria falta de algumas criações da civilização agora que já as conheço. Por exemplo a escrita, a filosofia, a idéia de amor, sei lá. Era tudo mais fácil e mais saudável sem essas coisas... mas eu não me vejo com qi suficiente para viver na selva, desprendida e vivendo só para me alimentar e procriar...

Corsário Satã disse...

"Por exemplo a escrita, a filosofia, a idéia de amor, sei lá. Era tudo mais fácil e mais saudável sem essas coisas..."

Não acho que a civilização se faça necessária para que essas coisas existam. Ainda mais agora que elas já existem, e podem continuar existindo depois da inevitável (hehe) destruição da civilização.

"mas eu não me vejo com qi suficiente para viver na selva, desprendida e vivendo só para me alimentar e procriar..."

Não, não prociraremos, pequena. Criaremos. Sem essas amarras, há mais espaço do que jamais houve para se criar o que quiser para além de 'alimentar-se e procriar'.

O que quero dizer é: Não estou falando de um retorno ao que havia antes. Estou falando de um próximo passo.

Marcely Costa disse...

ah siiiiiiiiiiiiim, nesse caso sim! eu só quis dizer que a civilização não foi totalmente uma merda pra gente, mas se for pra aproveitar as coisas boas to dentro! ;)