quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Quem és tu?

Essa é a charada proposta pela lagarta à Alice, que não consegue responder pois havia sido tanta coisa naquele mesmo dia que já não se sabia mais. Até tenta explicar isso à lagarta, mas ela não entende o que há de tão estranho em ter vários tamanhos no mesmo dia.

- Talvez não sinta as mesmas coisas que os outros - continuou Alice - O que eu sei é que eu, a mim, me sentiria muito esquisita.

- A ti... - bradou a lagarta, sem se conter - e quem és tu?

E com isso voltaram ao princípio da conversa.

Tente pensar em si mesmo e em tudo que o compõe. Seu corpo, seus pensamentos... agora tente tirar, peça por peça, tudo aquilo que pareça, um dia, ter vindo de fora. Os valores e as idéias são os primeiros a cair por terra. Tudo o que você aprendeu, é porque aprendeu um dia. Poderia ter aprendido outras coisas, mas ainda assim seria você.

Seu corpo mudou muito. Você cresceu, todas as suas células se renovaram e se renovam constantemente. O corpo, esse construto perfeitamente funcional, é físico e está sujeito às mesmas leis que governam a matéria e a energia. Mas também está sujeito à sua vontade. Não importa quantas sinapses sejam necessárias para andar até a padaria, é você quem está comandando esse processo. Assim, o corpo pode ser parte de você, pode ser um veículo, mas não é você.

E quanto às suas emoções? Sentimos coisas que não apenas guiam nossas ações como parecem inexplicáveis e vindas do âmago de nosso ser. Mas ao mesmo tempo conseguimos agir sem dar ouvidos à essas emoções, se tivermos auto-controle. Além disso, o que sentimos pode muito bem ser entendido como uma reação do organismo a certos estímulos, desde os mais primitivos até os mais elaborados. Sentimos um medo instintivo ao nos depararmos com algo ameaçador, ou sentimos raiva de alguém que fira nossos princípios. Esse segundo tipo de emoção se relaciona com valores adquiridos no decorrer de nossa vida e não poderia ser quem somos de fato. O primeiro é instinto, mas o que isso quer dizer? Pode não ser nada mais do que memória genética, uma reação adquirida pela espécie que foi selecionada por sua praticidade e que hoje existe em todos nós. Mas, se nossos instintos são uma característica de toda a espécie, não podemos ser instinto.

Parece-me, cada vez mais, que todas essas coisas que entendemos como "eu" não são mais que bagagem, instrumentos inatos ou adquiridos que nos auxiliam através dessa viagem que chamamos de vida. Eu tenho meu veículo sensorial e motor, tenho meus instintos mais primitivos, tenho tudo o que aprendi e todos os valores com os quais me identifiquei e adotei de alguma forma, e não sou nada disso. Mas que sou então?

Não quero propor respostas, caro marujo. Ao menos não ainda. Estou, ao contrário, propondo a você a mesma charada que a lagarta propôs à Alice. Quem és tu? Mas não responda à lagarta! Não responda a mim! Responda a si. Não se preocupe; antes de responder qualquer coisa a si mesmo, você vai precisar se encontrar. Quando o fizer, vai ter ao mesmo tempo a resposta e a quem responder.

2 comentários:

Anônimo disse...

comecei tirando a roupa. depois, tirando o formato das unhas e das sombrancelhas. em seguida tirei o corte do cabelo e resolvi nem passar pro lado de dentro. sabe, no fundo não sei se alguma coisa ia sobrar. mas quando junta tudo de novo, é quem eu sou. tem momentos que a gente cansa de desconstruir e quer dar forma, dar sentido - apesar de saber que o quebra-cabeça nunca termina.

Noob disse...

termina
recomeça, mas termina